A minha Maria mais nova está quase sempre envolvida em situações caricatas que, de uma forma ou de outra põem à prova a sua calma, sabedoria e sentido de orientação.
Ontem foi dia de fugir à dieta e mandámos vir pizza, coisa que há imenso tempo não acontecia. Na zona onde moro, há mais que um prédio com o mesmo nº, coisa que dificulta muito aos carteiros, encomendas e etc. E mais uma vez, a confusão aconteceu. Vimos o moço da pizza parar a mota no prédio do lado e a minha irmã preparou-se logo para descer e correr em seu auxílio. Já depois dela sair, vimos que o rapaz estava a vir para o sítio certo e aguardamos ansiosamente pelas ditas, e pela minha irmã. Tocam à campainha, ignoramos. Se ela já foi, não será ninguém importante. Tocam novamente, e acabo por abrir sem perguntar. Raio da rapariga que nem as chaves de casa soube levar. Entretanto toca o telemóvel. Era ela.
- Mana, vai falar com o Sr. do condomínio que estou presa no elevador!
Ah pobre coitada, e nós aqui sossegadas a pensar que ela já vinha com as pizzas na mão! Acabei por me cruzar com o moço no corredor, que as entregou à pressa e lá vamos nós. O homem nem em casa estava mas veio logo a correr e em vinte minutos resolveu-se a situação.
Desde bem pequenas, que os nossos pais nos ensinaram todas aquelas regras básicas que estamos fartos de ouvir. Não manusear facas, não mexer no fogão sem adultos por perto, não ir nem falar com estranhos e sobretudo, não lhes abrir a porta.
Abrimos a porta, seja no prédio, seja no apartamento, umas duas vezes em cada trinta. Não só pelos ensinamentos prévios, mas pelo facto de o nosso intercomunicador ser bastante eficaz e nunca ouvirmos a resposta de quem se encontra do outro lado.
Contou-me a minha Maria mais nova, o que se tinha passado no serão de domingo, enquanto cá em casa se preparavam para jantar, e eu me encontrava a trabalhar. Tocaram à campainha, no apartamento. Diz a minha irmã que era uma criança, a pedir para cantar as Janeiras. Não sei porquê, e acho que nem ela própria sabe, mas abriu a porta. Foi então que se deparou não só com uma criança, como também com um homem adulto de raça negra, a fumar, com o maior dos descaramentos. A minha irmã diz que pensou em adverti-lo para o caso, mas sorriu para o miúdo, como eu provavelmente também teria feito. Quando foi a última vez que alguém falou em cantar as Janeiras?! E quando deu por ela, estava o homem debruçado na ombreira da porta, segundo ela, com aquela "cara depravada de pedófilo", passo a expressão, e o miúdo voltou a perguntar se podia cantar as Janeiras. Entretanto, o homem vira-se para ela e pergunta-lhe:
- Está tudo bem contigo?
A minha irmã, que já devia estar apavorada, limitou-se a perguntar-lhe se a conhecia de algum lado. O miúdo volta a insistir se podia cantar as Janeiras, ao que a minha irmã se limita a dizer que não, depois de ter sido sugerida a entrada no apartamento. Ao que o homem responde por fim, mais palavra menos palavra, que era ela que perdia.
Estou atónita, nem sei bem o que dizer quanto ao assunto. Será que fizeram o mesmo nas portas dos nossos vizinhos? Será que alguém os deixou entrar? Como é que uma coisa destas pode acontecer?! Usarem uma criança para convencer alguém a abrir uma porta, fazer-se de porco nojento quando vê que é uma miúda que abre a porta?! Em que mundo estamos?
Só prova a minha mania de fechar sempre a porta quando entro ou saio do prédio, olhar constantemente para trás quando ando à noite sozinha na rua, não abrir a porta a ninguém que não se tenha anunciado previamente. Isto é assustador. Verdadeiramente assustador. Nem quero imaginar o que a minha Maria deve ter sentido naquele minuto que deve ter demorado horas...
... perco a minha aliança. E felizmente, a reencontro.
(Depois de uns longos dez minutos a olhar exaustivamente para o alcatrão do parque de estacionamento do Continente e ver a malandra a reluzir. Apesar do susto, afinal final ainda tenho sorte)