Há mês e meio, pela altura em que a prevenção de tornou mais rígida e que fiquei em casa em regime de layoff como milhares de pessoas, pensei para com os meus botões que "É agora! Vais voltar ao blog em força, pôr as tuas histórias, vivências, tudo isso em dia. Vais agarrar naquele curso online parado há meses e acaba-lo. Vais ler, ver aquela lista interminável de filmes que só aumenta, vais dedicar te a ti!". Pois é... 52 dias depois, não fiz quase nada disto.
Nas primeiras semanas confesso que consegui. Todos os dias estudava/aperfeiçoava entre uma a duas horas de uma língua estrangeira. Comia em condições, fazia as minhas aulas de ginásio dia-sim-dia-não, arrumei e limpei a casa a fundo e tive cinquenta mil ideias novas de redecoração. Fiz planos e orçamentos que ando doida para colocar em prática. Dar um ar novo a esta casa.
Apesar de não me sentir desmotivada, acho que o estou. Estou porque me tenho rendido ao fácil e a minha vida tem se resumido a Netflix de manhã à noite, de Domingo a qualquer que seja o dia da semana em que estamos. Chego ao ponto de me doer o rabo de tanto tempo passar sentada. É irónico, não? E a despensa? Essa inimiga silenciosa, hã?! Nunca pensei que se iria tornar a divisão mais frequentada da casa nesta quarentena que terminará com a ruína do trabalho de ginásio dos últimos dois anos! E doces? Sabem lá a quantidade de chocolates que tenho comido? Deus, já nem me lembrava do que era esta necessidade de doces... Ai, ai Sweetener!
Queixamos-nos de falta de tempo ou de tempo a mais. Mas neste tempo a mais, que tínhamos tanto que fazer, damos por nós a não fazer quase nada. A minha vida pré-quarentena era preenchida. Uns 97% talvez. Trabalho (regra geral) das 9h às 18h, formação até às 23h dois dias por semana, ginásio nos outros três, noite de sábado para descansar e Domingo para arrumar a casa e abastecer a despensa. E não sei se é por viver sozinha e não ter que prestar contas a ninguém mas céus, como eu andava feliz pela minha falta de tempo! E raramente me queixava dela! (Vá, só quando queria ir ao médico, lavar o carro ou a serviços que não conseguia pelos meus horários). Sinto falta de não ter tempo para relaxar, agora que forçadamente tenho tanto.
Hoje parece que se recupera um pouco de normalidade. Alguns serviços vão retomar, uns com horários reduzidos outros com bastantes regras e recomendações. O uso de máscara passa finalmente a obrigatório (Aleluia!). Eu cá, continuo por casa, à espera de novas ordens. A espera é que é o terrível da coisa e eu ando com tanto receio de ser dispensada... Mas bom, o pensamento deve tem que ser sempre positivo e venha o que vier, é porque tem que ser!
O que esta quarentena trouxe de bom, foi manter quase tudo exatamente como estava. O que não manteve, melhorou. Foi neste mês e meio que se viu quem se importa e quem manda mensagem a quem. Quem liga só para dizer que está ali e quem te faz fazer diretas e ficar meio dia ao telemóvel a falar sabe-se-lá sobre quê. São estas pessoas, as que fizeram com que a distância física fosse relativa que temos que manter por perto e estimar. E abraçar, assim que o possamos! Sou uma abençoada e estou tão grata à vida, por tudo o que me tirou e trouxe. Percebo agora que realmente foi no tempo certo. E porque estes raios de sol que me batem na cara agora me estão a fazer sorrir, sorriam também. Sejam gratos e acreditem que quase tudo, vai ficar bem!
Desde bem pequenas, que os nossos pais nos ensinaram todas aquelas regras básicas que estamos fartos de ouvir. Não manusear facas, não mexer no fogão sem adultos por perto, não ir nem falar com estranhos e sobretudo, não lhes abrir a porta.
Abrimos a porta, seja no prédio, seja no apartamento, umas duas vezes em cada trinta. Não só pelos ensinamentos prévios, mas pelo facto de o nosso intercomunicador ser bastante eficaz e nunca ouvirmos a resposta de quem se encontra do outro lado.
Contou-me a minha Maria mais nova, o que se tinha passado no serão de domingo, enquanto cá em casa se preparavam para jantar, e eu me encontrava a trabalhar. Tocaram à campainha, no apartamento. Diz a minha irmã que era uma criança, a pedir para cantar as Janeiras. Não sei porquê, e acho que nem ela própria sabe, mas abriu a porta. Foi então que se deparou não só com uma criança, como também com um homem adulto de raça negra, a fumar, com o maior dos descaramentos. A minha irmã diz que pensou em adverti-lo para o caso, mas sorriu para o miúdo, como eu provavelmente também teria feito. Quando foi a última vez que alguém falou em cantar as Janeiras?! E quando deu por ela, estava o homem debruçado na ombreira da porta, segundo ela, com aquela "cara depravada de pedófilo", passo a expressão, e o miúdo voltou a perguntar se podia cantar as Janeiras. Entretanto, o homem vira-se para ela e pergunta-lhe:
- Está tudo bem contigo?
A minha irmã, que já devia estar apavorada, limitou-se a perguntar-lhe se a conhecia de algum lado. O miúdo volta a insistir se podia cantar as Janeiras, ao que a minha irmã se limita a dizer que não, depois de ter sido sugerida a entrada no apartamento. Ao que o homem responde por fim, mais palavra menos palavra, que era ela que perdia.
Estou atónita, nem sei bem o que dizer quanto ao assunto. Será que fizeram o mesmo nas portas dos nossos vizinhos? Será que alguém os deixou entrar? Como é que uma coisa destas pode acontecer?! Usarem uma criança para convencer alguém a abrir uma porta, fazer-se de porco nojento quando vê que é uma miúda que abre a porta?! Em que mundo estamos?
Só prova a minha mania de fechar sempre a porta quando entro ou saio do prédio, olhar constantemente para trás quando ando à noite sozinha na rua, não abrir a porta a ninguém que não se tenha anunciado previamente. Isto é assustador. Verdadeiramente assustador. Nem quero imaginar o que a minha Maria deve ter sentido naquele minuto que deve ter demorado horas...
Cá vamos andando... Já passaram quase três semanas. A de apresentação, de introdução ao curso e praticamente a primeira semana de aulas. Aparentemente, porque o meu horário ainda está em mudanças, vou ter aulas às segundas, quartas e sextas. Não é mau, mas preferia não ter dois dias livres a meio da semana e sim, os quatro dias seguidos, tanto para questões de trabalho como para uma escapadinha a Portugal.
Morar nas residenciais acaba por ser bom, eu pelo menos, estou a gostar. Tenho o meu canto, onde posso estar sossegada, só moram raparigas no meu andar e, apesar de sermos todas de cursos e nacionalidades diferente, dos escassos encontros, até são simpáticas.
Em relação ao curso, ainda estou muito à deriva. Talvez pelo facto de não ter qualquer base em fotografia ou mesmo por não ser na minha língua materna, o que, parecendo que não, também complica as coisas. E então, porque é que escolhi fotografia? E porquê no estrangeiro? Porque não tinha média para entrar na minha primeira opção (arquitectura), porque fotografia sempre foi um hobbie, um gosto pessoal, uma actividade de tempos livres. Porque sempre gostei do inglês e sonhei com Londres. Decidi tentar.
Mas toda eu continuo um misto de emoções. Já não tenho aquela vontade irracional de apanhar o primeiro avião de volta a casa mas também ainda não estou como queria. Esta anormal, que está a ter a melhor oportunidade da vida dela, passa os dias a lamentar-se e a ter pena dela própria. Incrível! Mas a velha Nadine vai voltar, eu sei que sim. Só está, digamos que, ligeiramente atrasada...
Hoje decidi escrever. Sem qualquer post planeado ou tema em concreto para falar. Apeteceu-me simplesmente, e acho que depois de toda a propaganda que fiz em relação a esta minha mudança de vida, devo-vos actualizações. Como sabem, estou em Londres há (quase) três dias. Resumindo por miúdos? Têm sido os dias mais longos e difíceis de toda a minha vida. Porquê? Porque percebi que não me conheço. Ou sendo mais concreta: não me reconheço.
Este último ano foi todo ele uma espera terrível. O nunca mais chegar Setembro, o nunca mais sair do ninho, o nunca mais mudar de vida, nunca mais ir para a universidade... E agora que chegou, só quero voltar para casa. Andei este tempo todo ansiosa pelo que aí vinha, ansiosa por estar a planear fazer uma mudança de 180º na minha vida. Uma mudança valiosa para o meu futuro, um alargamento de culturas, um aperfeiçoamento da língua inglesa, um novo leque de amigos, entre tantas outras coisas. Eu bem vos disse aqui, que me sentia completamente zen. Acho que agora percebi o porquê.
Eu não estava zen coisa nenhuma, estava simplesmente num estado de dormência. Como se estivesse fechada numa bolha, que ninguém conseguia penetrar. A bolha rebentou quando chegou o momento de me despedir da irmã e da mãe. Sim, porque elas insistiram em levar-me ao aeroporto de Lisboa, coisa que aceitei, ainda que contrariada. Achei que só ia aumentar o sofrimento de nos despedirmos à última das horas. Mas foi só e apenas no momento de passar pela segurança, o momento em que ia deixar de as ver, de lhes puder tocar que o mundo me caiu aos pés. Elas, a manterem-se fortes, e eu, a derramar que nem uma criança que perdeu o balão.
Todos os momentos que se seguiram foram um tormento. A viagem de avião, apesar de todo o amor que a TAP me deu (para quem só tinha viajado na Easyjet e na Ryanair, andar na TAP: um sonho) foi um sofrimento. A metade em que não me encontrava a dormir, passei-a a chorar. Incapacidade de controlo emocional. Bastou fechar-se a porta por trás de mim para me mentalizar do que estava a fazer. Sinto-me reduzida a um nada. Sinto-me pequenina. Indefesa. Sozinha. E o que mais me custa, é saber que todas as pessoas que estão a sofrer com a minha ausência se mantêm fortes e me incentivam a ficar, a lutar pelos meus sonhos, pelas minhas ambições.
Não tem nada a ver com a cidade, a língua, as pessoas, nada de nada. Tem a ver comigo. Só comigo. Percebi que não sou capaz. Quem me estiver a ler agora diz: "só aí estás há três dias, como podes fazer já essa avaliação?". Faço-a porque ainda resta um pouco de bom senso na minha mente. Faço-a, porque sei que se não me sinto feliz agora, ficar cá só vai piorar o meu sofrimento.
Esta viagem permitiu-me descobrir/ter a certeza de uma fraqueza minha. Não sou capaz de lidar com a ausência das minhas Marias. E como diria o Pedro Abrunhosa: