"Bom dia - era aquilo que me deviam ter dito logo para começar. Sei que não entrei na vossa loja a falar francês, inglês ou qualquer outra língua. Poderia tê-lo feito mas como habitante nacional que sou, falei a minha língua materna. Já sei que não sou emigrante e que, na vossa linha de pensamento, não tenho dinheiro para gastar. É aí que começa a vossa discriminação.
Entrei e nem me cumprimentaram. Levava uma roupa demasiado simples, não foi?
Peguei num bikini e esperei que uma das duas, estando ao meu lado, tivessem a prontidão de me oferecer ajuda. Nada. É incrível que só nos dias em que eu efetivamente não quero comprar nada, me bombardeiam com tanta oferta de ajuda e tanta boa vontade em que "só experimente, não perde nada" traz sempre o propósito de uma pessoa se apaixonar ao espelho e cair na tentação.
Continuei à espera até que pela segunda vez, pedi ajuda. Aí, menina mais alta, olhaste-me de soslaio e disseste que só tinhas o que estava exposto. Pedi-te ajuda com os tamanhos e a simpatia da tua resposta deixou-me sem ar. É engraçado que do outro lado da loja, a tua colega conseguiu desencantar exatamente o modelo que eu estava à procura, numa cor diferente, no mínimo.
Fui experimentar, aparentemente contra a tua vontade e lá me decidi pela compra. Fiquei 7 minutos na caixa, á espera, para pagar. Tenho a dizer que, como cliente antiga, nunca fui tão mal atendida. Ah, espera... Esqueci-me que havia emigrantes na loja.
Por isso, meninas que não me atenderam na loja do Palácio do Gelo, obrigada pelo vosso excelente atendimento, predisposição de ajuda, simpatia e sem dúvida, capacidade de vendas.
Quem me dera poder dizer hoje à gerente que escolheu tão mal naquela entrevista."
Há coisas que me moem o juízo. Assim para o muito, que me fazem querer explodir de raiva pela ignorância e estupidez alheia. Pela racismo, as opiniões aparvalhadas. Por tudo.
Somos apenas quatro funcionárias aqui no hotel. Três rececionistas e uma empregada de limpeza. Sou a mais nova, sendo que todas elas têm idade para ser minhas mães. Há situações em que se torna-se estranho esta diferença abismal, confesso, mas damos-nos todas bem.
O que não funciona bem para mim é a mentalidade delas. Delas e de tanta gente nesta sociedade mas foco-me nelas porque existe uma convivência diária. Uma mais que outra, mas acho que nunca tinha visto uma mentalidade tão retrograda. Pelo menos, não numa pessoa na casa dos 40.
A partir do momento em que trabalhas na hotelaria, ou no atendimento ao público em si, sabes que vais encontrar bastante diversidade. Diversidade essa que, talvez pela minha idade, seja fácil de aceitar. Ou porque tento ser mente aberta. Ou porque a delas é fechada demais.
A grande maioria das reservas chega pela Booking. As pessoas colocam o nome, a data da estadia, o contacto e o número de pessoas que vêm. A grande surpresa é quando.... Chanã: chegam duas pessoas do mesmo sexo. Começa a discriminação. Não chega a ser aquela discriminação odiosa, porque em frente aos hóspedes o teatro é perfeito. Mas mal viram costas...
- "Qua sorte a minha, aturar panascas!"
- "Já viste isto? Até parece que não tinham mais para onde ir!"
- "Olha, o quarto que veio são dois fofinhos!"
Entre tantas outras.
Sou heterossexual e por isso, tive a minha vida facilitada. Nunca soube o que era ter que mentir sobre os meus sentimentos, ser ofendida na rua ou gozada pela minha orientação sexual. Mas não suporto ver alguém passar por isso. Fico fula e sinto que até perco o discernimento. Só me apetece dar um abanão na pessoa e desejar secretamente que o cuspo lhe caia em cima.
Sei que é muito feio o que acabei de escrever mas é só no que penso. Nestas mães que, em vez de ensinarem a diversidade do amor aos filhos, educam-nos com este preconceito. Estas crianças tornam-se adultos, e vão ensinar tal como foram ensinados. E o ciclo, nunca se quebra...
Sinto-me ofendida sem ser diretamente comigo. Ofendida com tanta ignorância.
Ontem, numa visita rápido ao Pingo Doce, com o Doce, andava nas prateleiras da entrada quando vi uma senhora que reconheci. Ela olhou para mim, desviou o olhar, olhou novamente e como reparou que eu também estava a olhar, lá me disse que tinha a sensação que me conhecia, mas não se lembrava de onde. Respondi lhe que provavelmente seria da sapataria (onde trabalhei no ano passado) e quando dou por ela: a senhora deu-me dois beijinhos e fez uma festa doida.
Perguntou-me se ainda lá trabalhava ao que eu respondi que não e foi aí que os olhos dele quase brilharam. Ficou tão contente por mim e disse coisas que nem vale a pena mencionar. Entretanto apareceu o Doce, juntou-se à conversa, à troca de opiniões quando ela percebeu que ele também lá trabalhara e que fora lá que nos conhecemos. Disse-lhe, por entre a conversa que foi das melhores coisas que 'trouxe' da sapataria ao que ela nos felicitou e desejou tudo de melhor.
No ano que lá estive decorei muitas caras, de muitos clientes. Claro que algumas, me ficaram gravadas na memória com maior intensidade e esta senhora foi uma delas. Porquê? Porque tenho um grande defeito que é ser também consumidora e então, não fui capaz de ver a injustiça que acontecera com aquela cliente e tive que intervir em defesa dela. Já tinha sido atendida por três colegas minhas e nenhuma lhe resolvera o assunto, empatando sempre a senhora uma e outra semana até que deu de caras comigo e a situação ficou resolvida quase na hora.
Voltando um pouco atrás, e para avivar a memória, os meus problemas naquela empresa só começaram quando se tornou pública a minha relação com o Doce, porque era proibido - só que não, nada disso dizia no meu contrato nem fora mencionado em altura alguma! Claro que depois disso, foi sempre a descer até ao dia em que não aguentei mais a falta de respeito e me demiti.
Entretanto despedi-me da senhora. Agradeceu me novamente pela situação que nos tornou conhecidas e foi cada um à sua vida. Mais uma vez, fiquei de coração cheio. Na altura fui contra a empresa e muito criticada por isso, mas fiz o que estava ao meu alcance para resolver o assunto a uma cliente que tinha total razão e assim mantê-la, porque graças a isso, ainda hoje compra lá.
(Nunca antes mencionei o motivo pelo qual me demiti. Houve muitas razões para isso acontecer, uma delas foi eu não saber bem como, mas a minha antiga patroa saber da existência deste blog e me ter ameaçado mais que uma vez com um processo sobre difamação da empresa. Por isso também, nunca disse nomes de colegas, de localização de lojas ou mesmo o nome da sapataria em si. Claro que quem me conhece 'na vida real' sabe qual é, mas assim, estou salvaguardada não vá o diabo tecê-las.)
... ontem pela primeira vez, tivemos clientes super rudes e arrogantes no restaurante. E tanto os meus patrões como o meu querido colega, fizeram questão de se esgueirar para a cozinha para ser eu a desgraçada que teve de lhes fazer a conta!
Ontem, entrou uma cliente no restaurante que reconheci. Uma cliente da sapataria. Decidi não abordar o assunto por ter receio de uma eventual pergunta complicada de responder, até que ela...
- Oh menina, bem me parecia que estava a conhece-la. Então, está tudo bem consigo? Já não trabalha na sapataria? Ou trabalha nos dois lugares ao mesmo tempo?!
- Sim, está tudo bem. Não, já saí agora estou só aqui.
- Oh que pena, gostei tanto daquelas sandálias que me vendeu no verão-
- Aquelas prateadas?
- Sim, sim. Usei, usei e vou voltar a usar! Adoro! Realmente já não a via há muito tempo por lá, mas pensei que andava por outras lojas.
- Sim, andei por uns tempos mas saí no mês passado.
- Pronto, são opções não é? Cada um sabe de si!
- É isso, gosto em vê-la, até uma próxima!
Sabia desde o momento em que a vi entrar que a conhecia. Sabia perfeitamente das sandálias que ela falava. Foi talvez das clientes mais queridas que tive o prazer de atender durante todo aquele ano. A mesma, é enfermeira, e já me tinha reconhecido no hospital quando tentei dar sangue a última vez. É bom sentir que, apesar de opiniões superiores contrárias, alguém 'gostou' de ti o suficiente para te recordar onde quer que te veja.